Passam 20 minutos das 24h00. O céu está estrelado e a lua está quase cheia. Abre-se uma mala de um carro, encostado numa berma com alguma dimensão. À volta há mato e rochas. Muitas rochas. Uma caixa é tirada da mala do carro e colocada no chão na horizontal. É aberta. Faz-se silêncio. E espera-se. "Anda lá pequenina!", solta uma voz dirigida à caixa. Em vão. Novo silêncio. Por pouco tempo. De rajada, uma das "pequeninas" sai da caixa e desaparece no mato num ápice. Tímida, a outra "pequenina" haveria de demorar apenas mais alguns minutos para também se infiltrar na mata. O Centro de Recepção, Acolhimento e Tratamento de Animais Selvagens (CRATAS), sediado no campus da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, devolveu, na madrugada de ontem, duas pequenas raposas à natureza. E à sua condição.
Ilegalmente, durante muito tempo, os dois animais foram mantidos em cativeiro. E tratados como cachorros. Depois de resgatados pelo Serviço Especial de Protecção da Natureza (SPENA) da GNR de Chaves, nos últimos meses estiveram aos cuidados do CRATAS, onde, além de uma delas ter sido tratada de uma doença, reaprenderam a condição de animais selvagens. "Uma continuava fugidia, mas a outra já tinha comportamentos de cachorro. Por isso, a que se mantinha mais selvagem serviu de ama à mais pequena", explicou o veterinário Joaquim Silva, do CRATAS. A libertação durante a noite não foi por acaso. "É nesta altura que estão mais à vontade, se sentem melhor e, por isso, têm mais capacidade para fugir e se esconder do perigo", explicou o mesmo responsável. O local da libertação foi o da proveniência, para favorecer a adaptação. E por que razão alguém há-de querer guardar em casa uma raposa e tratá-la como um cão? Joaquim Silva encontra duas explicações "As pessoas acham que é bonito ter animais selvagens em casa e também é uma questão de tradição. As pessoas até dizem que os tratam muito bem!". Por outro lado, o veterinário lembra outro "erro clássico". O de as pessoas tentarem tratar em casa animais. "Insisto nesta questão porque o tempo pode ser fundamental para a recuperação", lembra.
O Centro de Recepção, Acolhimento e Tratamento de Animais Selvagens funciona no âmbito do Núcleo de Estudo e Protecção do Ambiente da UTAD, criado em 1987. Desde então, desenvolve acções na área da recuperação da fauna selvagem e na educação ambiental. De acordo com Joaquim Silva, desde a sua criação, foram já mais de um milhar os animais tratados no CRATAS. *Margarida Luzio*
Fonte: JN, Domingo, 27 de Janeiro de 2008